A legislação brasileira, especialmente o Código de Processo Civil, estipula que não serão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis, conforme artigo 832.
Na discussão em específico, importante destacar que, segundo o artigo 833 do Código de Processo Civil, o salário é considerado bem impenhorável:
Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o §2º;
(…)
2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.
Podemos extrair do texto da lei a seguinte regra geral: o salário do devedor é, em regra, impenhorável. Porém, há exceções em que ele pode ser penhorado, quais sejam, para pagamento de prestação alimentícia, independente de sua origem, ou aquelas quantias (de salários) que forem superiores a 50 salários-mínimos vigentes.
Assim, se o devedor, atualmente, recebe renda inferior a R$ 65,1 mil, e não tem dívida de natureza alimentar, de acordo com a letra fria da Lei o seu salário seria impenhorável.
Contudo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no recente julgamento do EREsp nº 1874222/DF em 19/04/2023, entendeu que a impenhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar deve ser relativizada a depender do caso concreto — e não só o que exceder aos 50 salários mínimos (atuais R$ 65,1 mil), como determina o Código de Processo Civil.
No citado caso concreto, o credor cobra uma dívida com origem em cheque que soma aproximadamente R$ 110 mil de um devedor com salário de aproximadamente R$ 8,5 mil.
O entendimento do STJ neste caso, foi que deve ser averiguado o valor que o devedor necessita para financiar o seu custo de vida, para que então, se viável, se determine a penhora de uma porcentagem que não comprometa a dignidade ou subsistência do devedor e sua família.
Segundo o Voto do Ministro do STJ João Otávio de Noronha:
“Mediante o emprego dos critérios da razoabilidade e proporcionalidade, penso que a fiscalização desse limite de 50 salários mínimos [prevista na lei] merece críticas na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor de sua família”
Pode-se concluir que, de fato, a regra estipulada pela legislação brasileira, de que somente seria possível a penhora de verbas de salário superiores a R$ 65,1 mil, para pagamento de dívidas de natureza não alimentares, encontra-se em discrepância com a realidade da população média.
Além disso, como ponderou o Ministro do STJ, é preciso resguardar não só os interesses do devedor, mas também os do credor.
De outro lado, é de suma importância a existência de regra geral, para proteção de verbas de salário, aposentadoria, ou qualquer verba destinada ao sustento do devedor e de sua família, de forma a preservar o importantíssimo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, entende-se como possível encontrar um meio termo, no qual respeitado o mínimo existencial para o devedor e sua família, seja possível tutelar também os interesses do credor, para ver judicialmente o seu crédito adimplido, prestigiando o princípio da efetividade da justiça.
Campinas, 20 de abril de 2023.
Fontes: