O setor de eventos foi um dos mais atingidos pela pandemia e teve seus serviços praticamente suspensos no ápice do contágio pela Covid -19. Para a recuperação do setor, foi criado o Programa Emergencial De Retomada Do Setor De Eventos – PERSE. O programa propunha uma série de iniciativos fiscais que visaram a ajudar as empresas a se reerguerem após o período crítico da pandemia. Segundo dados da ABRAPE – Associação Brasileira dos Promotores de Eventos – o setor é responsável por 4,5% do PIB brasileiro. O Perse, implementado pela Lei nº 14.148/2022, foi uma resposta direta aos impactos devastadores da Covid-19 no setor de eventos, que deixaram o setor em uma posição especialmente delicada.
O artigo 4º da referida lei reduziu a zero as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins para as empresas do setor por um período de cinco anos, com o objetivo claro de fomentar a retomada da indústria de eventos. A implementação do Perse foi uma decisão calculada e planejada, oferecida por um prazo determinado, permitindo que as empresas beneficiadas e o governo se preparassem, respectivamente, para a retomada do setor e para o restabelecimento da arrecadação.
Ocorreu que no dia 29/12/2023 o planejamento das empresas e a expectativa do setor foram devastadas pela sanção da MP n° 1202/2023, que altera o artigo 4º da Lei nº 14.148/2022, estabelecendo o fim dos benefícios fiscais do Perse de forma antecipada, a partir de 1º de janeiro de 2025, para o IRPJ, e a partir de 1º de abril de 2024, para CSLL, PIS e Cofins. Este movimento abrupto do governo suscita sérias preocupações sobre a justificativa de “relevância e urgência”, critérios essenciais para a edição de uma medida provisória.
Parece que apara a sanção da MP o Governo não levou em consideração o planejamento fiscal das empresas, que se pautaram no prazo de extensão do beneficio fiscal, previsto pela Lei nº 14.148/2022. Diversos empregos foram mantidos ou gerados justamente em razão do PERSE. A revogação sem aviso prévio e sem uma justificativa plausível vai contra a estabilidade e a previsibilidade necessárias para a gestão empresarial, bem como configura uma ameaça à segurança jurídica.
A revogação repentina do programa por meio de uma medida provisória, que deveria ser reservada para situações de extrema urgência e relevância, é uma ação inconstitucional. Além disso, a revogação proposta pela MP viola o artigo 178 do CTN, que estabelece que a isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada ou modificada por lei.
No Resp 1987675/SP, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela aplicação do artigo 178 do CTN aos benefícios fiscais pôr equiparação a isenções. O Tribunal entendeu que a revogação da alíquota zero causaria quebra da previsibilidade e confiança, ensejando em uma violação à segurança jurídica. Vejamos:
TRIBUTÁRIO. PIS E CONFINS. ALÍQUOTA ZERO. PROGRAMA DE INCLUSÃO DIGITAL. LEI 11.196/2005. “LEI DO BEM”. INSTITUIÇÃO DA ALÍQUOTA ZERO POR PRAZO CERTO E SOB CONDIÇÕES ONEROSAS. REVOGAÇÃO ANTES DO PRAZO FINAL. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 178 DO CTN. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. A parte recorrente aponta violação ao artigo 178 do Código Tributário Nacional. Sustenta que a redução da alíquota a zero, no caso em que a exoneração é condicionada e feita por prazo certo, tem os mesmos efeitos jurídicos que a isenção, qual seja: não exigir o tributo. Dessa forma, advoga que é possível, por analogia, aplicar a regra prevista no art. 178 do CTN, que estabeleceu a fruição de benefício, por prazo certo e determinado, de alíquota zero do PIS e da COFINS, referente ao Programa de Inclusão Digital (PID), disposto nos arts. 28 a 30 da Lei n. 11.196/2005. O prazo da alíquota zero foi prorrogado pelo art. 5º da Lei n. 13.097/2015, até 31.12.2018. Contudo, por meio do art. 9º da Medida Provisória 690/15, posteriormente convertida na Lei 13.241/15, o benefício foi extinto de forma prematura em 31.12.2016. Afirma que possui direito ao benefício até 31.12.2018. 2. O Supremo Tribunal Federal, em caso similar, ao julgar o RE 1.124.753, entendeu que a matéria em análise é de cunho infraconstitucional. Em acórdão publicado em 23.3.2022, decidiu-se que “a questão da revogação da alíquota zero do PIS e da COFINS incidente sobre a venda de aparelhos de informática concedida pela chamada ‘Lei do Bem’ foi analisada apenas sob a ótica do artigo 178 do Código Tributário Nacional. (…) Entendo, portanto, que é de se aplicar o art. 1.033 do CPC a fim de determinar a remessa dos autos ao eg. Superior Tribunal de Justiça, a fim de que o tema seja analisado sob a ótica infraconstitucional.” Dessa forma, deve esta Corte Superior apreciar o mérito recursal. DA INSTITUIÇÃO DA ALÍQUOTA ZERO SOB CONDIÇÃO ONEROSA E POR PRAZO CERTO: VIOLAÇÃO AO ART. 178 DO CTN 3. A matéria em questão possui peculiaridades: verifica-se que, além da alíquota zero ter sido instituída por prazo certo, as condições fixadas pela lei para a fruição da exoneração tributária possuem caráter oneroso. Isso porque a Medida Provisória n. 535/2011, convertida na Lei n. 12.507/2011, acrescentou o parágrafo 4º ao art. 28 da Lei 11.196/2005, no qual se requer inserção, nas notas fiscais emitidas pelo produtor, pelo atacadista e pelo varejista, da expressão “Produto fabricado conforme processo produtivo básico”, com a especificação do ato que o aprova. 4. A exigência de que a empresa deva se submeter a um processo específico de produção caracteriza a onerosidade para usufruir da redução da alíquota zero. Houve, assim, quebra da previsibilidade e confiança, o que ocasiona violação à segurança jurídica em relação aos contribuintes que tiveram que se adequar às normas do Programa de Inclusão Digital. Portanto, ficou violado o art. 178 do Código Tributário Nacional, ainda que, na matéria em questão, trate-se de revogação de alíquota zero. 5. Constata-se a onerosidade, também, ao haver previsão na lei (art. 28, § 1º, da Lei 11.196/2005, regulamentado pelo art. 2º, do Decreto 5.602/2005) de que para a fruição da alíquota zero o contribuinte se submetia a um limite de preço para a venda de seus produtos. 6. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende que o gozo da alíquota zero pelos varejistas demandou contrapartidas, condições, e que ela foi onerosa, de modo que, em relação a suas atividades, não se consideram válidas as disposições contidas no art. 9º da MP 690/2015, convertida na Lei 13.241/2015, que revogaram a previsão de alíquota zero da Contribuição ao PIS e da COFINS, estabelecida na Lei 11.196/2005. Houve, portanto, violação do art. 178 do CTN, de modo que deve ser assegurado aos contribuintes envolvidos no Plano de Inclusão Digital a manutenção da desoneração fiscal onerosa até o prazo previsto no diploma legal revogado. A propósito: AgInt no AgInt no REsp 1.854.392/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/9/2021, REsp 1.725.452/RS, Rel. p/ acórdão Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 15/6/2021 e REsp 1.845.082/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 15/6/2021. CONCLUSÃO 7. Recurso Especial conhecido para dar-lhe provimento.
(STJ – REsp: 1987675 SP 2022/0053737-1, Data de Julgamento: 21/06/2022, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2022)
De fato vemos que, conhecendo o sistema tributário e com poder para alterar momentaneamente as “regras do jogo”, o governo revogou o benefício fiscal (PERSE) para forçar que os contribuintes, já no início de 2024, voltem a aderir ao Simples Nacional e, já neste ano, sejam excluídos do PERSE.
Aparte dos efeitos práticos que a sanção da MP pode desencadear no setor de eventos já no primeiro mês de 2024, caberá a justiça verificar a competência e legalidade do instrumento normativo (Medida Provisória) que revogaram o benefício fiscal.
Espera-se que no judiciário, além da ilegalidade e inconstitucionalidade da Medida Provisória, também seja levado em consideração que Perse não é apenas um Benefício Fiscal, mas sim um programa fundamental para a sobrevivência e recuperação de um setor que é vital para a cultura brasileira.