No início de 2023 foi noticiado em alguns veículos de comunicação sobre o julgamento, pelo STF, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625), movida em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), contra a denúncia da ratificação da convenção 158 da OIT.
Algumas das manchetes lançadas por parte da mídia chegaram a apontar uma suposta “aprovação da medida que proibiria a demissão sem justa causa”, o que não é uma afirmação correta, conforme se explicará no decorrer deste texto.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem como finalidade assegurar, internacionalmente, condições justas, dignas e iguais às relações de trabalho vigentes em todos os Estados-membros. O Brasil é um Estado-membro da OIT, inclusive é um dos fundadores da organização.
A OIT tem como uma de suas atribuições promover normas internacionais que regulam as relações de trabalho por meio de Convenções, as quais passam a viger nos sistemas jurídicos de cada país apenas após a expressa ratificação dos Estados-membros.
Em 1982, a OIT aprovou a Convenção 158, que contém proposições relativas ao “término da relação de trabalho por iniciativa do empregador”.
Há uma polêmica interpretação em seus dispositivos, que ganharam novamente notoriedade, especialmente o artigo 4º da Convenção, que assim consta:
Art. 4 — Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
Em seguida, o artigo 5º da Convenção 158 prevê alguns motivos que não constituem causa justificada para o término da relação de trabalho, como por exemplo filiação do trabalhador a um sindicato, ser candidato a representante de trabalhadores, apresentar queixa contra empregador por violações de leis ou regulamentos, por motivos de raça, cor, sexo, estado civil, religiões, gravidez ou por ausência do trabalho durante a licença-maternidade.
O que interpretamos destas normas é a intenção da Organização em proibir a dispensa discriminatória de trabalhadores, o que era frequente à época da edição da Convenção em alguns países membros; bem como, no artigo 4º, entende-se que a convenção prevê, no caso de ocorrência de dispensa sem justa causa, que essa se dê através de uma justificativa por parte do empregador.
Para contextualizar, destaca-se que essa Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 17 de setembro de 1992 (Decreto Legislativo n. 68), sendo ratificada pelo Governo brasileiro em 4 de janeiro de 1995, para vigorar doze meses depois. Entretanto, sua eficácia jurídica no território nacional só se verificou a partir do Decreto n. 1.855, de 10 de abril de 1996, com o qual o Governo Federal publicou o texto oficial no idioma português, promulgando a sua ratificação.
Importante ressaltar que a nossa Constituição Federal, conforme artigo 49, inciso I, prevê como competência exclusiva do Congresso Nacional a resolução sobre tratados, acordos ou atos internacionais.
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Vale esclarecer que o Estado-membro que assim entender, pode denunciar a Convenção, significando basicamente que não tem interesse em continuar observando aquela norma em seu ordenamento jurídico interno.
Assim, passados apenas sete meses, o Governo brasileiro denunciou a ratificação da convenção mediante nota enviada ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, assinada pelo Embaixador Chefe da Delegação Permanente do Brasil em Genebra (Ofício n. 397, de 20.11.96). Com o Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, o Presidente da República promulgou a denúncia, anunciando que a mencionada convenção deixaria de vigorar no Brasil a partir de 20 de novembro de 1997.
No entanto, a denúncia feita pelo Brasil, por meio do Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, foi contestada judicialmente junto ao STF, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625) movida em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e pela CUT, com o fundamento de que o decreto deveria ter sido ratificado pelo parlamento.
Assim, desde 1997 até a presente data não foi julgada a ADI 1625 pelo STF, que por sua vez, analisará apenas o aspecto formal do decreto da denúncia da Convenção 158 da OIT, se deveria ou não ter sido ratificada pelo Congresso Nacional, à luz do que dispõe a Constituição Federal.
Diante do último pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes em outubro de 2022, e considerando que o novo regimento interno do STF prevê que o retorno de vista deverá se dar de forma inadiável em não mais do que 90 dias após o seu pedido, conclui-se que o retorno para julgamento deverá ocorrer em breve.
Tendo em vista o que dispõe a Constituição Federal, bem como os votos já proferidos por Ministros na ação, de fato, a ADI 1625 poderá ser julgada procedente. Contudo, é preciso destacar que isso não significa que o STF proibirá a demissão sem justa causa.
Primeiramente, porque a Convenção 158 da OIT não prevê a proibição da dispensa sem justa causa (que é o contrário de uma dispensa por justa causa, prevista no art. 482 da CLT).
Aparentemente a Convenção visa coibir a dispensa discriminatória, vindo a exigir uma expressa motivação na dispensa do trabalhador, fato diverso da definição de uma justa causa (configurada pela falta grave do trabalhador). A “causa justificada”, assim como prevista pelo artigo 4º da Convenção, trata-se de uma justificativa por parte da empresa, como por exemplo, de ordem econômica (redução de número de funcionários) ou técnica (cargo ou função do trabalhador passará a não existir mais dentro da empresa).
Ainda que a intenção da Convenção fosse a proibição da demissão sem justa causa, no Brasil ela não teria aplicação. A própria Constituição Federal de 1988 determina que essa matéria deve ser tratada em lei complementar, fato que afastaria a aplicabilidade da norma.
Constituição Federal:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, em análise à Constituição Federal (art. 7º, I) e também a Convenção 158 da OIT, é firme em estabelecer que a lei complementar seria a via adequada para se estabelecer a proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa. Vejamos o trecho a seguir destacado:
Reintegração. dispensa arbitrária. convenção 158/oit. IMPOSSIBILIDADE. Ainda que se pudesse acreditar na eficácia da Convenção nº 158 da OIT, esta foi denunciada pelo Governo Brasileiro, via Decreto nº 2.100, de 20.12.1996. Ocorre que a norma jamais surtiu eficácia, no ordenamento pátrio.
(…)
A Constituição Federal, de maneira indiscutível (arts. 7º, I, e 10, I, do ADCT), estabelece a via pela qual há de se estabelecer a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assim como os mecanismos de reparação respectivos. A Lei Complementar, ao contrário do que, de forma simplista, possa ser pretendido, não se equipara às demais emanações legislativas.
(…)
Se a proteção contra o despedimento arbitrário ou sem justa causa é matéria limitada à Lei Complementar, somente a Lei Complementar gerará obrigações legítimas. Como rudimentar exigência de soberania, não se pode admitir que norma inscrita em tratado internacional prevaleça sobre a Constituição Federal.
(TST – AIRR: 14307920145170007, Relator: Alberto Luiz Bresciani De Fontan Pereira, Data de Julgamento: 03/05/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: 18/08/2017)
Em resumo, o que será discutido no STF é uma matéria puramente formal, quanto a correta ou incorreta forma de denúncia realizada à época (1996), em relação a revogação da vigência da Convenção 158 da OIT no Brasil.
Ainda, destaca-se que, ao contrário do que foi noticiado em algumas mídias, o STF não proibirá, seja qualquer o resultado do julgamento, a demissão sem justa causa, o que seria uma medida inconstitucional.
Campinas- SP, 11 de janeiro de 2023.
Fontes:
https://www.conjur.com.br/dl/convencao-oit-158.pdf