A tecnologia propõe ao consumidor a comodidade de adquirir bens e serviços por meios eletrônicos, como aplicativos, internet e outros canais facilitadores. Não é exclusividade dos grandes conglomerados, hoje quase todos os comerciantes e prestadores de serviços tem a disposição de seus clientes canais facilitadores que simplificam o processo de negociação e pagamento pelos bens e serviços adquiridos.
Com poucos cliques o consumidor fecha uma compra ou uma contratação de serviços. Todavia, no momento de cancelar essas transações, a mesma facilidade nem sempre é encontrada.
Normalmente, para cancelar a compra ou a contratação de um serviço, o consumidor enfrenta maior dificuldade do que os meros cliques ao tempo da contratação. É comum que empresas submetam a solicitação de cancelamento a setores de telemarketing, com serviços que parecem propositalmente falhos, o que acaba dificultando a concretização do pretendido cancelamento; e ainda há hipóteses em que o vendedor ou fornecedor exige que o cancelamento seja solicitado com o comparecimento pessoal do consumidor em estabelecimentos físicos, para só então concluir o cancelamento de sua compra.
A disparidade entre os instrumentos disponíveis ao consumidor, no momento de contratação versus o momento de cancelamento, foi o tema de Ação Civil Pública, julgada pelo STJ no Recurso Especial nº 1.966.032/DF, em 16 de agosto de 2022. Na ocasião foi decidido de forma unânime pela Quarta Turma do STJ, que a empresa aérea que disponibiliza a opção de resgate de passagens com utilização de pontos por meio da internet, fica obrigada a assegurar que o cancelamento ou reembolso destas sejam realizados pelos mesmos meios.
Como a relação entre as partes é inegavelmente de consumo, é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Assim, segundo o STJ, a conduta de não disponibilizar a hipótese de cancelamento e reembolso das passagens aéreas, adquiridas mediante troca de pontos em programa de fidelidade, no mesmo ambiente em que ocorria a compra (meio eletrônico), configura prática abusiva, conforme art. 39, inciso V do CDC.
A decisão do recurso reconheceu que, além de ser contraditória, a conduta da empresa aerea impunha ônus excessivo ao consumidor, que teria que se deslocar às lojas físicas da empresa (apenas aquelas localizadas em aeroportos) ou utilizar o call center, que são medidas indiscutivelmente menos efetivas quando comparadas ao meio eletrônico.
Ou seja, a alternância de meios entre o momento de compra e venda serviria como um desestímulo ao cancelamento da passagem adquirida e, assim, dificulta o processo de o consumidor reaver os pontos utilizados para a compra da passagem – situação que geraria, por outro lado, vantagem ilícita ao fornecedor.
Por fim, na decisão final da Ação Civil Publica impôs-se à companhia aérea que fosse implementada a ferramenta online para os casos de cancelamento das passagens aéreas adquiridas mediante pontos de programas de fidelidade.