A qualificação profissional é um dos grandes diferenciais para o mercado de trabalho. Contudo, cursos profissionalizantes, de graduação, de pós-graduação dentre outros, podem representar um grande investimento financeiro, e não estão ao alcance de todos.
A maioria dos trabalhadores têm intenção de se qualificar profissionalmente, no entanto, frente ao alto investimento, a questão financeira geralmente é uma barreira para realização desta qualificação.
Já para os empregadores, o alto custos das qualificações profissionais enseja na escassez de mão-de-obra qualificada, e consequentemente, prejudica o processo de contratação de novos funcionários.
Há de se considerar, porém, que a qualificação profissional não beneficia apenas o trabalhador. Ter um profissional qualificado é indiscutivelmente melhor para os empregadores, que podem ter inúmeros benefícios oriundos da mão-de-obra especializada, disponibilizando um serviço ou produto cada vez melhor aos seus clientes.
Neste cenário, considerando que a qualificação dos profissionais beneficia tanto os empregadores quanto os trabalhadores, as empresas podem oferecer a seus empregados a cobertura de até 100% dos custos de cursos de qualificação. E para que haja a segurança que este o investimento em qualificação de pessoas seja, de fato, revertido ao empregador, a empresa pode exigir do beneficiário do curso um período mínimo de permanência no emprego, mesmo após a finalização do curso.
Durante o curso é direito do empregador, que está arcando com os custos da qualificação, fiscalizar a assiduidade e aproveitamento do empregado.
As particularidades que regulam a forma e porcentagem de pagamento e o período de permanência do funcionário nos quadros da empresa, devem ser estabelecidas mediante um pacto escrito firmado entre as partes, seja no próprio contrato de trabalho, em instrumento aditivo ou até em instrumento próprio.
Muito embora não exista nada em específico na legislação trabalhista em relação ao tema, admitindo ou vedando tal ato, há entendimento que a permissão encontra abrigo no artigo 444 da CLT, o qual dispõe:
Art. 444 – As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
Apesar da ampla possibilidade de negociação entre empresa e empregado, alguns cuidados devem ser tomados pelo empregador, para evitar que esse pacto venha a ser anulado judicialmente em evento posterior.
Em estudo da jurisprudência observa-se a imposição de limites a práticas consideradas contrárias a boa-fé e a preceitos de ordem constitucional.
Por exemplo, é vedado à empregadora a oferta de cursos com finalidade exclusiva de retenção de funcionários, de forma coercitiva e que possa gerar constrangimento moral ou físico com objetivo de forçar o empregado a permanecer no emprego.
Também é vedado à empregadora a oferta de cursos, quando o curso oferecido não tem qualquer relação com a função, cargo ou atividade desempenhada pelo empregado, ou ainda não trará qualquer benefício a quaisquer das partes, somente para obter a permanência mínima do trabalhador.
Quanto ao prazo de permanência do funcionário, nos quadros de trabalho da empresa que arcou com os custos da qualificação, é vedado exigir prazo de permanência mínima sem razoabilidade em comparação com a importância ou duração do próprio curso. Muito embora não haja um posicionamento único, alguns doutrinadores consideram como razoável o prazo de até 2 anos, contados do término do curso, em razão deste ser o mesmo período previsto no artigo 445 da CLT, para elaboração de contratos de trabalho por prazo determinado.
Por fim, importante destacar que caso o trabalhador venha a descumprir a cláusula de permanência (pedindo demissão antes do prazo), ou ainda descumprir outras cláusulas deste pacto realizado entre as partes, é possível estipular cláusula penal em desfavor ao empregado, inclusive prevendo a devolução de até 100% dos valores despendidos e investidos pelo empregador.
Assim, revela-se de suma importância a assessoria jurídica para ambas as partes na realização deste pacto, para evitar prejuízos posteriores.
À título de exemplo de todo o exposto, seguem posicionamentos do TST e TRT’s em alguns julgados sobre o tema:
“(…) A presente controvérsia cinge-se em definir se é válida cláusula contratual que previu que o Empregador custearia para seu Empregado um curso de especialização profissional e este, em contrapartida, permaneceria prestando-lhe serviços por um período de 24 meses após o encerramento do curso, sob pena de restituição dos valores investidos na capacitação. Ora, em princípio, verifica-se a possibilidade de uma cláusula contratual estabelecer um período mínimo de prestação de serviços – após a realização de curso de capacitação pelo Empregado às custas do Empregador -, uma vez que se viabiliza, assim, que o conteúdo aprendido seja revertido em prol dos serviços desempenhados perante a empresa. Todavia, é necessário que haja proporcionalidade entre o tempo do curso realizado e o período mínimo de permanência pós-curso. Do contrário, será violado o direito fundamental de liberdade no exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, contido no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, pois o trabalhador, hipossuficiente que é – inclusive financeiramente -, terá cerceado seu direito de rescisão contratual por tempo desarrazoado, já que dificilmente poderá ressarcir seu empregador dos valores investidos em sua capacitação. (…) No caso dos autos, mostrou-se incontroverso que o curso realizado pelo Réu foi de curta duração – inferior a sessenta dias -, o que evidencia, pois, a desproporcionalidade na cláusula de permanência de 24 meses após o término do curso. Ademais, o Réu somente pediu demissão após sete meses do término do curso. Ou seja, prestou serviços por período superior ao triplo da duração do curso. Portanto, é de se entender que o Réu já cumpriu sua obrigação de retribuir à Autora o conteúdo aprendido no curso de capacitação realizado, não sendo razoável exigir dele qualquer ressarcimento. Recurso de revista conhecido e provido.”
( RR – 982-59.2012.5.18.0004 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 16/03/2016, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/03/2016)
“CURSO DE MBA PATROCINADO PELO EMPREGADOR. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO. Segundo o princípio do “pacta sunt servanda”, as condições estipuladas em contrato constituem lei entre as partes contratantes, razão pela qual devem ser respeitadas. Recurso ordinário do réu a que se nega provimento.”
(TRT-2 10010428220185020381 SP, Relator: MARGOTH GIACOMAZZI MARTINS, 3ª Turma – Cadeira 3, Data de Publicação: 03/12/2019)
“RECURSO ORDINÁRIO.CURSO DE FORMAÇÃO. INVESTIMENTO EM QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL.PEDIDO DE DEMISSÃO ANTES DO PRAZO DEFINIDO EM TERMO DE COMPROMISSO. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA.VALIDADE. O edital do concurso expressamente previa a possibilidade de participação do candidato aprovado em Programa de Formação, ao qual aderiu voluntariamente o reclamante, conforme noticia o Termo de Compromisso trazido aos autos e de cujo teor extrai-se a obrigação de permanência por 2 anos consecutivos a partir da data da sua terminação, sob pena de ressarcimento à empresa. O reclamante possui formação jurídica e não logrou comprovar qualquer vício de consentimento. Por tal razão, não procede a tese de violação ao art. 462 da CLT, tampouco às demais disposições legais invocadas pela parte. Sentença que se mantém.”
(TRT-1 – RO: 01003703720175010034 RJ, Relator: MARIA APARECIDA COUTINHO MAGALHAES, Data de Julgamento: 22/01/2019, Oitava Turma, Data de Publicação: 05/02/2019)
CURSO CUSTEADO PELO EMPREGADOR. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA NO EMPREGO. DESCUMPRIMENTO. REEMBOLSO. Não há qualquer ilicitude na cláusula contratual que prevê seja o empregador reembolsado do custeio do curso de graduação do seu empregado, quando este, comprovadamente, descumpre a obrigação assumida e pede demissão do emprego antes de concluído o curso.
(TRT-5 – RecOrd: 00006922620125050612 BA 0000692-26.2012.5.05.0612, Relator: MARAMA CARNEIRO, 1ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 09/05/2013.)
MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRATO DE TRABALHO. CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL CUSTEADO PELO EMPREGADOR. CLÁUSULA DE PERMANÊNCIA. Conforme art. 390-C /CLT, “As empresas com mais de cem empregados, de ambos os sexos, deverão manter programas especiais de incentivos e aperfeiçoamento profissional da mão-de-obra. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999)”. Embora pareça um ônus, a qualificação de pessoal constitui um investimento, pois a mão de obra especializada implementará a produção, otimizará os custos e agregará benefícios de mercado ao produto ou ao serviço prestado pela empresa. Para o empregado, sem sombra de dúvidas, a sua especialização importará qualidade e valoração – inclusive econômica – no trabalho prestado. Portanto, é razoável promover a qualificação/especialização dos empregados e, em contrapartida, estabelecer termo de compromisso com a empresa na utilização e na aplicação do conhecimento técnico aprendido. Nesta senda, caberá ao magistrado utilizar o bom senso ao examinar o conteúdo prático e a efetiva qualificação decorrente da especialização, bem como ter em vista a vinculação imposta ou a abusividade na aplicação de multa pelo descumprimento da cláusula.
(TRT-10 – MS: 00002581120205100000 DF, Data de Julgamento: 21/07/2020, Data de Publicação: 29/07/2020)